sábado, 26 de janeiro de 2013

Uma dose de cachaça vale dois pães


No bar de Chico Queiroz tem andado um homem moreno, alcoólatra, magro de tanta fome e tanta cachaça... Outro dia, meio-dia em ponto, Sol a pino, quarenta graus, esse homem deitou-se na calçada, quente que só fogueira de São João, e adormeceu assim mesmo, para tostar-se, certamente. Vendo aquilo, o empregado de Chico Queiroz, Tiago, e outro companheiro de copo do homem, pegaram-no e o trouxeram para debaixo da árvore em frente da casa de minha vizinha, Ângela.

Da minha loja olhei aquela cena e aproximei-me, reparei o homem dormindo e pensei que ele estivesse desmaiado. Perguntei ao companheiro de copo dele, Cosme, pois o conheço: "Quem é esse homem?" Ele me respondeu: "Conheço lá do lixão. É um andarilho, não é daqui." Eu: "Acho que ele está desmaiado de tanta fome!" Cosme: "Nada, é cachaça mesmo; daqui a pouco ele acorda! Só o trouxe para a sombra, para não morrer cozinhado no Sol".

Preocupei-me um pouco, quis chamar o Samu, porém Cosme me disse que eu não me preocupasse. De fato, poucas horas depois lá estava o mendigo no bar de Chico, novamente, conversando e bebendo, satisfeito. Olhei-o admirada da recuperação dele, mas o deixei em paz.

No outro dia novamente encontrei-o, meio-dia em ponto, na barraca de dona Nininha, atrás do Banco do Brasil, almoçando. Cheguei para comprar uma quentinha e, enquanto esperava, fiquei observando outra cena: ele certamente já havia almoçado alguma coisa, mas pediu mais comida à empregada. A moça e algumas pessoas riram dele, e um rapaz pegou umas sobras que havia em um prato e perguntou: "Você come assim mesmo?" Ele respondeu: "Como, traz que tô com fome!" O rapaz derramou as sobras do prato no prato dele, mas o mendigo disse: "Quero carne; aqui só tem feijão e arroz!" Riram dele novamente, e eu dei dois reais à empregada para ela colocar de carne no prato do homem. Assim foi feito, e o mendigo comeu outro prato enorme de comida. Saí da barraca e esqueci tudo para cuidar de minhas obrigações.

Hoje, porém, meio-dia em ponto, ele apareceu em minha loja pedindo comida à minha mãe. Ela me perguntou se podia dar alguma coisa, e eu disse que sim. Minha mãe então foi à cozinha e fez um prato caprichado para ele. Depois que comeu tudo ele disse: "Quero mais!" Minha mãe respondeu-lhe: "Não! Acabou a comida e você comeu bastante!" Os amigos de copo que estavam no bar de Chico Queiroz ficaram rindo dele, fazendo mímicas de zombaria, mas ele não se intimidou; foi ao bebedouro da minha loja, pegou um copo descartável e tomou quatro copos d'água. Eu e minha mãe ficamos caladas, acompanhando-o com o olhar. Quando notei que ele havia ficado satisfeito, pedi que saísse de minha loja, o que ele obedeceu calado, sem confusão. Os amigos de copo ficaram esperando por ele em Chico Queiroz, pois sabiam que, juntos, logo encontrariam alguém que lhes pagasse umas cachaças, até não mais suportarem.

Quando ele se afastou minha mãe me disse: "O meu medo é que ele se acostume e venha todo dia pedir comida aqui em casa". Eu respondi a ela: "É, para dar-lhe comida ninguém aparece, mas para enchê-lo de cachaça não falta quem pague. Uma dose de cachaça custa cinquenta centavos, e ninguém zomba quando lhe dão, mas para dar-lhe comida ninguém aparece e todo mundo zomba. Só que uma dose de cachaça custa o mesmo preço de dois pães: cinquenta centavos".            
  
(Texto e foto: Eliza Ribeiro - Taperoá - PB) 

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