sexta-feira, 25 de janeiro de 2013

Almas do outro mundo


Clara descansava de um trabalho estressante, quando uma mulher bateu palmas em sua porta, chamando-a. Aflita, a mulher começou a falar, assim que Clara abriu a porta:
– A senhora é Clara, que expulsa almas de outro mundo?
Clara:
– Mais ou menos. Sou exorcista, pela bondade de Deus.
A mulher:
– Então, meu nome é Maria, e moro lá no Conjunto Solidariedade. É que há muito tempo os moradores lá do Conjunto estão com medo de umas almas que aparecem lá atrás do cemitério quase toda noite, menos em noite de Lua Cheia.
Clara:
– E por que elas não aparecem em noite de Lua Cheia?
A mulher:
– Sei lá! Só sei que elas aparecem vestidas de branco, até a cabeça delas é branca... Todo mundo que passa por lá de noite vê o vulto delas, e quando elas veem as pessoas, correm atrás fazendo palhaçadas, jogando pedras... Todo mundo vê que se namoram, porque se abraçam e se beijam e rolam pelo chão como se fizessem aquilo...
Clara:
– Aquilo?
A mulher, envergonhada:
– É, aquilo! A senhora sabe...
Clara:
– Está certo. Vamos lá, agora mesmo, pois já é noite e a Lua está Minguante.

Clara e dona Maria seguiram para o Bairro do Alto até chegarem atrás do cemitério.
Clara falou:
– A senhora vá para casa e avise aos moradores que fiquem escondidos até eu chamar ou alguma coisa se resolver.

Dona Maria correu em disparada, deixando Clara sozinha, atrás do cemitério, sob frouxa luz de luar. Passados alguns minutos, Clara reparou que havia vultos se aproximando. Ela então se escondeu atrás de uma algaroba e ficou observando. Conforme descrito pela mulher, Clara viu que dois vultos brancos, totalmente brancos, se abraçavam e se beijavam, depois rolavam pelo chão numa cena de sexo explícito. 

Passados alguns minutos, sem medo de nada, Clara aproximou-se dos vultos e gritou bem forte, com as mãos estendidas na direção deles:
– Em nome de Jesus Cristo, espíritos namoradeiros, saiam deste mundo e voltem para aonde moram, em nome de Jesus Cristo!

Ao invés das almas sumirem, elas deram um passo para trás em sinal de susto, mas logo avançaram para Clara, fazendo palhaçadas e jogando pedras. Clara, inabalável, gritou novamente, com as mãos estendidas:
– Em nome de Jesus Cristo, espíritos namoradeiros, eu lhes ordeno, saiam deste mundo e voltem para aonde moram, em nome de Jesus Cristo!

Num impasse, nem as almas sumiram nem Clara recuou. Passados alguns segundos assim, Clara avançou sobre os dois vultos e agarrou um pelo braço. Naquele momento alguns moradores tiveram coragem, chegaram perto de Clara e fizeram um círculo em volta dos vultos, acendendo lanternas. A noite se iluminou, e Clara puxou a máscara branca do vulto que ela segurava. Alguém da plateia gritou:   
– Oxente! Não é alma do outro mundo não! É Toinho, marido de Mariquinha! Logo outra pessoa tirou a máscara do outro vulto e gritou:
– Oxente! É Rosa, mulher de Joaquim! Gente, as almas do outro mundo são Toinho e Rosa! Eles são amantes!

Um alvoroço se fez em volta dos amantes, e uma mulher chorosa apareceu, dizendo:
– Oxente, Toinho! Tu me trai, Toinho?
Toinho:
– Tu não me chamava de frouxo? Agora estás vendo que não sou! E não tenho só uma amante, não! Tenho mais seis! Cada dia venho aqui com uma mulher diferente!
Clara:
 – Mas em noite de Lua Cheia o senhor não vem namorar!
Toinho:
– A senhora sabe que na Lua Cheia a noite se clareia, e alguém podia me reconhecer, saber que não havia alma de outro mundo, mas gente de verdade se divertindo...
Logo em seguida chegou Joaquim, que avançou sobre Rosa, mas ninguém deixou que ele batesse nela. Ele então gritou:
– Mulher, ô, mulher, todo mundo agora vai me chamar de corno!
Rosa:
– Vai não, Joaquim, se tu me perdoar de verdade! Eu te prometo que nunca mais saio de casa sem tu, eu te prometo!
E foi assim que Toinho se tornou o símbolo do homem com H taperoaense, e dona Rosa, o símbolo da virtude. As outras amantes de Toinho ficaram um mistério, jamais alguém descobriu quem eram elas, pois, pelo que se fala, ele e dona Mariquinha agora não se desgrudam um do outro. E o cemitério voltou à paz de Deus, silencioso e sem assombração. 
                                               
 (Texto: Eliza Ribeiro/Bete Diniz - Foto: internet) 

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