domingo, 11 de novembro de 2012

O Polvo - Padre Antônio Vieira


"... Mas já que estamos nas covas do mar, antes que saiamos delas, temos lá o irmão polvo, contra o qual têm suas queixas, e grandes, não menos que S. Basílio e Santo Ambrósio.
.
O polvo, com aquele seu capelo na cabeça, parece um monge; com aqueles seus raios estendidos, parece uma estrela; com aquele não ter osso nem espinha, parece a mesma brandura, a mesma mansidão. E debaixo desta aparência tão modesta, ou desta hipocrisia tão santa, testemunham constantemente os dois grandes Doutores da Igreja latina e grega, que o dito polvo é o maior traidor do mar.
.
Consiste essa traição do polvo primeiramente nas cores a que está pegado. As cores, que no camaleão são gala, no polvo são malícia; as figuras, que em Proteu são fábula, no polvo são verdade e artifício.
.
Se está nos limos, faz-se vestir ou pintar das mesmas cores - de todas aquelas verde; se está na areia, faz-se branco; se está no lodo, faz-se pardo; e se está em alguma pedra, como mais ordinariamente costuma estar, faz-se da cor da mesma pedra.
.
E daqui que sucede? Sucede que outro peixe, inocente da traição, vai passando desacautelado, e o salteador, que está de emboscada dentro do seu próprio engano, lança-lhe os braços de repente e fá-lo prisioneiro.
Fizera mais Judas? Não fizera mais, porque não fez tanto.(...)"

Fonte:
O Polvo, de Padre Antônio Vieira (n. Portugal, 1608 -- f. Brasil, 1697)
Extraído do Sermão de Santo Antônio aos Peixes.
Foto: internet

Nenhum comentário:

Postar um comentário