sábado, 23 de março de 2013

Padre Cícero


Cícero Romão Batista nasceu no dia 24 de março de 1844, na antiga Vila Real do Crato, Ceará. Era filho de Joaquim Romão Batista Mirabô e de Vicença Romana. 

Era estudioso da religião católica e, influenciado pelas leituras biográficas de São Francisco de Sales, aos 12 anos de idade fez seus votos de castidade. Em 1860 o pai matriculou-o no famoso Colégio Padre Inácio de Sousa Rolim, em Cajazeiras (PB), mas dois anos depois o pai morreu acometido por cólera e ele teve que abandonar os estudos para trabalhar pelo sustento da mãe e das duas irmãs solteiras. 

Obstinado, no ano 1865 Cícero conseguiu matricular-se no seminário de Fortaleza, onde se ordenou sacerdote em novembro de 1870. Na tarde do dia 11 de abril de 1872 ele chegou a Juazeiro, também no estado do Ceará, em visita de uns dias. Vinha de Crato, numa difícil viagem de três horas. Rezou a primeira missa numa pobre capela do povoado, dedicada a Nossa Senhora das Dores. Além da capela, Juazeiro tinha uma escola e 32 casas feitas de tetos de palha espalhadas por 2 ruas. 

Depois da missa, confessou homens e mulheres e em seguida foi para seu alojamento, no prédio da escola. Naquela noite sonhou que 13 homens, vestidos como personagens da Bíblia, chegavam à escola e ele se levantou para recebê-los. Repentinamente viu Jesus Cristo que, apontando para seus acompanhantes pobres e maltrapilhos, exclamou: “E você, padre Cícero, tome conta deles!”.

Alguns meses depois ele se mudou definitivamente de Crato para Juazeiro, trazendo consigo a mãe e as irmãs, e foi morar em casa de palha em frente à capela. A partir daí começou a trabalhar pelos pobres, confessando, celebrando e receitando remédios caseiros, o que contribuiu para que os pobres começassem a vê-lo como santo e profeta. Na grande seca de 1877 obrigou homens e mulheres famintos a irem para as altas terras da Chapada do Araripe para plantarem mandioca, o que ajudou a alimentar e salvar a vida de muita gente.        

Na primeira sexta-feira de março de 1889 um fato mudaria a vida de padre Cícero para sempre: ao dar a comunhão à beata Maria Madalena do Espírito Santo de Araújo, a hóstia se transformou em sangue e ela não a conseguiu engolir. Embora o fato já tenha ocorrido outras vezes, daquela vez o povo tomou conhecimento e o considerou um milagre, atribuindo ao sangue de Cristo o vermelho da hóstia. A partir daí cresceram as romarias religiosas em torno do padre e de Juazeiro, quando chegaram ao conhecimento do bispado do Ceará todo o ocorrido e as romarias. O bispo dom Joaquim José Vieira, após entrevistar o padre, declarou que não foi milagre o ocorrido com a beata. 

Já no Palácio Episcopal de Fortaleza, o bispo nomeou uma comissão para julgar o caso. No dia 9 de setembro do mesmo ano a comissão se reuniu em busca de provas e, depois de longa investigação, declarou o fato como um milagre. Insatisfeito, o bispo nomeou outra comissão, que logo negou o milagre, em agrado ao bispo. Com o novo parecer, dom Joaquim proibiu o padre Cícero de pregar, confessar, dar conselhos aos fiéis e celebrar missas, e ainda enviou documentos à Congregação do Santo Ofício, em Roma, contando os fatos. 

Em abril de 1894 a Congregação do Santo Ofício também negou o milagre, mas padre Cícero lutou para reverter o parecer. Enviou um recurso ao Santo Ofício, mas a resposta só veio três anos depois, em junho de 1897, quando a cúpula da igreja católica rejeitou a apelação, além de determinar que o padre saísse de Juazeiro num prazo de dez dias, sob pena de excomunhão. Obediente, padre Cícero foi morar em Salgueiro, Pernambuco. Mesmo assim, viajou para Roma em fevereiro de 1898, quando recebeu o perdão da Santa Sé, porém continuou proibido de falar sobre os milagres. De volta a Juazeiro, continuou abençoando os pobres, mas foi proibido de celebrar missas por dom Joaquim José Vieira. 

Como a notícia dos milagres se espalhou pelo Brasil, milhares de peregrinos começaram a vir a Juazeiro, principalmente cegos, surdos, aleijados, todos em busca de cura. Com isso, o padre aparecia atrás da janela graduada de sua casa, sempre às 7h00 e às 21h00, para abençoar a multidão que se formava em frente. Dizia sempre as mesmas palavras: “Quem estiver amancebado, case! Quem bebeu, não beba! Quem preguiçou, não preguice! Quem pecou, não peque! Quem roubou, não roube! Quem brigou, não brigue! Quem matou, não mate, porque Deus que tudo pode perdoar não perdoa nunca ao assassino, e este ficará privado de salvação!”.  

Juazeiro tornou-se um pólo de romaria e se desenvolveu economicamente a partir daí, quando conseguiu sua autonomia política, separando-se de Crato em 4 de outubro de 1911, tendo em padre Cícero seu primeiro prefeito. A cidade ainda desenvolveu plantações de algodão, milho e cana-de-açúcar.   

O padre também se tornou dono de terras, possuindo uma mina de cobre em Coxá, no município de Aurora, mas a posse legal dela só foi possível com a ajuda do Dr. Floro Bartolomeu, médico recém-chegado a Juazeiro, que juntou um grupo de capangas e, após algumas lutas, demarcou a mina pertencente ao padre. 

Sempre perseguido pela igreja, mas visto pelo povo como conselheiro e protetor milagroso, em 1914 foi eleito primeiro vice-governador do Ceará, e, mesmo residindo em Juazeiro, distribuía favores políticos por todo o estado, com o apoio do médico Floro Bartolomeu. Com a morte do médico, em março de 1926, o padre foi perdendo prestígio político, até que, durante a Revolução de 1930, o novo prefeito de Juazeiro, nomeado por Getúlio Vargas, mandou tirar sua foto da prefeitura. 

Em 1930 ele tomou conhecimento da violação do túmulo da beata Maria de Araújo, autorizada pelo padre da cidade, José Alves de Lima. Os objetos encontrados no túmulo foram guardados pelo padre Cícero em uma redoma de vidro como relíquias da mulher que desafiou a igreja. Os objetos foram: um escapulário de Nossa Senhora das Dores, um pedaço de pano e parte do crânio com cabelos. Além disso, ele registrou em cartório a violação do túmulo, com o apoio de 4 testemunhas, lembrando que a beata participou ativamente da transformação da hóstia em sangue. 

Já perto dos noventa anos, quase cego e doente, ainda lutou, em vão, para voltar às atividades da igreja, mas faleceu, em 20 de julho de 1934, sem realizar seu maior sonho. A morte de padre Cícero trouxe mais romaria para Juazeiro, onde os romeiros se encontram, até hoje, em redor do seu túmulo, no altar da capela de Nossa Senhora do Perpétuo Socorro, principalmente no dia de finados. Na imaginação dos peregrinos, o “padim Ciço” não morreu; apenas mudou-se. Foi erguida uma estátua do padre na serra do Horto, com 25 metros de altura, no ano 1969. Um dos rituais dos romeiros em homenagem ao “santo” é abraçar o monumento ou enrolar-se na ponta da batina e agarrar-se à bengala. 

  
 Conselhos do Padre Cícero: 

1 Não derrube o mato, nem mesmo um só pé de pau. Não toque fogo no roçado, nem na caatinga. 
2 Não crie o boi nem o bode soltos; faça cercados e deixe o pasto descansar para se refazer. 
3 Não plante de serra acima, nem faça roçado em ladeira, muito em pé, para que a água não arraste a terra e não se perca a sua riqueza. 
4 Represe o riacho, de 100 em 100 metros, e construa uma cisterna no oitão da casa, para guardar água de chuva. 
5 – Plante cada dia pelo menos um pé de algaroba, de caju, de sabiá ou outra árvore qualquer, até que o sertão todo seja uma mata só. 
6 – Aprenda a tirar proveito das plantas da caatinga, como a maniçoba, a favela e a jurema; elas podem ajudar você a conviver com a seca. 
Se o sertanejo obedecer estes preceitos, a seca irá aos poucos se acabando, o gado melhorando e o povo terá sempre o que comer.             

Bibliografia: 
JATOBÁ, Roniwalter. Guerras e revoluções brasileiras: Juazeiro – guerra no sertão. São Paulo, Ática, 1996. 
LOPES, Francisco Régis. Padre Cícero: a morte não é o fim. História Viva, V(51): 26-31, 2007.

(Texto: Eliza Ribeiro - Taperoá - PB - foto: internet)
    

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