terça-feira, 29 de outubro de 2013

O talismã mágico (Evaristo da Veiga)

As palavras Revolução, Revolucionário, são uma espécie de talismã mágico, com que os governantes sabem a propósito fazer calar a opinião pública e incutir terrores nos homens pacíficos e moderados. E contudo as revoluções são sempre filhas dos erros dos governos, pois os povos não saem facilmente dos seus hábitos, e amam de coração a tranquilidade e o repouso. É depois de se haver por todos os meios atormentado a população, calcado o seu amor-próprio, ultrajado os seus prejuízos mais nobres, os seus direitos mais respeitáveis, que a indignação rompe todas as barreiras, e aparecem esses vulcões, e lavas, que tudo levam diante de si, ou esses surdos trovões, que abalam a Terra.

Os governantes, iludidos pelos seus caprichos e ambição, folgam com os maus feitos de alguns indignos agentes, que enviam às Províncias, e que aí só tratam ou de saciar de vinganças um partido, ou de oprimir e aviltar os cidadãos, que mostram amor pela Pátria e sentimentos de elevada independência: ao depois, quando os funestos efeitos de tão erradas medidas chegam a aparecer, a autoridade raras vezes deixa de atribuí-los ao espírito de sedição, aos malvados inimigos da ordem, & cia. e de lançar mão deste pretexto para novos atos de arbitrariedade e talvez de tirania. Que se segue daí? A cólera do povo comprimida torna-se ainda mais terrível, uma conspiração contém o germe de um cento delas: vítimas inúteis são sacrificadas, e quanto mais o governo se desvia da moderação e das leis, tanto maior força ganha o descontentamento, pai de comoções contínuas. 

Se o Poder quisesse sinceramente evitar o flagelo das revoluções violentas, (que na verdade não produzem bem algum), tinha à sua disposição um meio eficaz e muito fácil; este meio consiste em ser fiel às Instituições do Estado, e dar a conhecer que deseja a felicidade pública. O Povo nunca é ingrato a quem lhe faz benefícios, e os votos impotentes de alguns espíritos inquietos e malignos perdem-se no meio da satisfação e comprazimento geral. Nem se diga que os intrigantes exercem muitas vezes grande influência sobre a população, e que as suas tramas são tão bem urdidas, que iludem ainda os homens bem intencionados e sinceros. Contra os fatos nada há que valha, e quando os cidadãos observam que a Autoridade por atos contínuos se dirige a procurar-lhes o maior bem possível, e se desvela na sua prosperidade, ninguém poderá por especiosas teorias, arrastá-los à revolução e às desordens. 

Mas suponhamos que numa Província o povo, vivendo debaixo da aparente proteção de uma Constituição livre, a cada passo a vê infringida; que vê por um culpável desprezo da fé jurada o cutelo da perseguição erguido sobre os escritores generosos, que intentam defender os direitos dos indivíduos; o patriotismo olhado como um título para a suspeita, e os inimigos da sociedade civil rodeando a pessoa do Agente do Poder, benquistos, e com a sua presença afrontando todos aqueles a quem restam sentimentos de dignidade pessoal e aferro ao país a que pertencem. Que consequências poderá ter semelhante estado de coisas? Devemos confessar que a força da autoridade é aí muito falível; que tarde ou cedo o edifício fundado sobre a injustiça será abalado pelos alicerces, e que o Poder sucumbirá debaixo do peso dos seus mesmos triunfos. A  Lei: o bem comum, eis aí o norte que devem ter os que governam, até para sua própria segurança. 

De que servem as melhores Instituições, se na execução se iludem, se aqueles mesmos que foram postos como vigias, e protetores dos nossos foros, são os que trabalham por frustrar-nos da sua fruição, e se regozijam com a ilusão e perfídia, de que fazem jogo? Não acusem ao depois o Povo; reconheçam os seus erros, filhos de paixões mal regradas, a causa dos males que todos deploramos, e em vez de amontoarem arbítrio a arbítrio, de substituírem o regime do terror ao engano, tratam de estabelecer francamente o Império da Justiça e da imparcialidade legal. Daí pende essencialmente o nosso e o seu interesse: a Constituição é o nexo comum, que deve prender Governantes e Governados.
(A  Aurora Fluminense, n. 59, 25 de junho de 1828.)

(Pesquisa do texto: site da Academia Brasileira de Letras - foto: internet)

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