sábado, 5 de outubro de 2013

O macaco, a onça e o touro (Luís da Câmara Cascudo)

Uma vez o macaco trazia um cacho de coco-catulé (Attalea) e como pesasse muito parou para descansar. Um touro avistou-o, aproximou-se e começou a mangar do macaco , achando-o fraco demais. Não podia nem carregar o de comer. O macaco foi-se esquentando:
- Camarada touro, você pode ser muito forte mas não é mais do que eu. Sou um bicho pequeno mas tenho talento (força física). 

O touro achou muita graça e, palavra puxa palavra, acabou o macaco afrontando o camarada para uma aposta.
- Que aposta é? 
- Amanhã eu trago uma corda bem forte; fico numa ponta e você na outra. Cada qual bota todo talento que tiver. Quem puxar o outro para perto, ganha... 
- Pois está muito bem.  Amanhã quero tirar esse ranço...
  
Foi-se embora o touro, e o macaco nem quis mais saber dos catulés, imaginando o que ia fazer para enganar o touro. Estava nessa cogitação quando ouviu o tropel macio da onça. Mais que depressa pulou para um pé de pau e subiu, olhando lá de cima. A onça chegou, farejando, olhou e viu o macaco.
- Desça daí, mofino! Já jantei! Quero só conversar com você! 
- Eu converso daqui mesmo, camarada onça. 
- De quem são esses catulés? 
- São meus se a comadre onça não os quiser.
- Não quero saber de cocos, camarada macaco. Você tem visto o bicho-homem? 
- Há tempos que não o vejo, camarada onça, mas aprendi muito com ele. 
- Que é que você aprendeu com o bicho-homem? 
- Aprendi a derrubar bicho-bruto como você! 
- Derruba coisa nenhuma, camarada macaco, deixe de pabulagem. 
- Derrubo!  A questão é você querer puxar uma ponta de corda e eu ficar no outro lado. Você não tem talento para me arrastar nem um risco...
- Deixe de sonho, camarada macaco. Mas para você não ir se gabando eu aceito a aposta.
- Pois amanhã, no pé daquele serrote onde há uns pés de oiticica. Você fique na ponta de lá, perto da estrada.    
- Está combinado.
- Está combinado.

O macaco bateu o pé para a casa do bicho-homem e furtou uma corda bem grande e forte. No outro dia foi esperar o touro na ponta da pedra. Assim que o viu, entregou a ponta da corda e segurando o outro lado, disse:
- Vou ficar longe e quando eu gritar ecôoo, você bote força. 

Saiu com a corda e foi encontrar a onça que estava deitada, lambendo as patas.
- Camarada onça, aí vai a ponta da corda, segure que eu vou para o outro lado das pedras. Quando eu gritar ecôoo, você o que tiver de talento, bote...

Correu para as pedras, trepou-se e gritou:
- Ecôoo...

Ouvindo o grito, o touro de um lado e a onça do outro puxaram a corda. Admirados com a força que julgavam do macaco, botaram o que tinham. Ia a onça arrastada um bando de palmos. Fazia finca-pé. O touro vinha vindo. Fincava as patas no chão. E assim foram indo, vai não vai, até que o macaco, avistando uma carga de bananas que um homem ia carregando pela estrada, largou-se numa carreira desadorada, abandonando tudo. Vendo o macaco passar e a corda continuar esticada, a onça e o touro compreenderam que havia trapalhada e foram se chegando para ver quem estava na outra ponta.
- Camarada touro!
- Camarada onça! 

E como touro e onça não fazem boa liga e cada um respeita muito o outro, saíram para outros caminhos, zangados com o atrevimento do macaco que enganara os dois bichos grandes e fortes. 

(Texto: Luís da Câmara Cascudo, Folclore do Brasil.Editora Fundo de Cultura - Rio de Janeiro - foto: internet)        

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