domingo, 2 de dezembro de 2012
Anoitecer (Carlos Drumond de Andrade)
É a hora em que o sino toca,
Mas aqui não há sinos;
Há somente buzinas,
Sirenes roucas, apitos
Aflitos, pungentes, trágicos,
Uivando escuro segredo;
Desta hora tenho medo.
É a hora em que o pássaro volta,
Mas de há muito não há pássaros;
Só multidões compactas
Escorrendo exaustas
Como espesso óleo
Que impregna o lajedo;
Desta hora tenho medo.
É hora do descanso,
Mas o descanso vem tarde,
O corpo não pede sono,
Depois de tanto rodar;
Pede paz - morte - mergulho
No poço mais ermo e quedo;
Desta hora tenho medo.
Hora de delicadeza,
Gasalho, sombra, silêncio.
Haverá disso no mundo?
É antes a hora dos corvos
Bicando em mim, meu passado,
Meu futuro, meu degredo;
Desta hora, sim, tenho medo.
(Poesia: Carlos Drumond de Andrade - Foto: Eliza Ribeiro - Taperoá - PB)
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