Lá no sítio Lagoa das Marrecas, em Taperoá, antigamente havia uma linda lagoa, que deu nome ao lugar. Aquela lagoa abençoada era frequentada por animais de toda qualidade, que ali saciavam sua sede: pássaros pequenos e grandes, como marreca, casaca-de-couro, galo-de-campina, pintassilgo, rolinha, asa branca, e animais maiores como raposa, tatu-bola, puma, sagui, etc.
Tudo era harmonioso, até que um dia apareceu uma onça pintada forasteira, que logo se fez dona do lugar. Mal nasceu o dia, lá estava ela bebendo água. Alguns passarinhos ousaram matar sua sede, mas a dona onça disse a todos:
"- Saiam daqui agora! Este lugar é meu e ninguém vai tomar água nem se refrescar!"
Assustados, os passarinhos voaram e começaram a espalhar a notícia pelo mato adentro, nos limites do sítio:
"- Ei, tem gente nova na lagoa! Ela disse que é uma onça pintada e é a dona do lugar... Disse que ninguém mais toma água nem banho lá... Corram, venham ver!"
Rapidamente começaram a chegar à lagoa os curiosos, na ponta dos pés, escondendo-se por detrás das árvores, para não serem vistos. Sentindo o cheiro deles, a onça pintada, soberba, confiante no seu poder, abriu sua bocarra para mostrar as presas, e disse em altos pulmões:
"- Eu sou a dona daqui! Quem se aproximar vai virar minha comida na mesma hora!"
Os habitantes ficaram assustados e ao mesmo tempo preocupados, pois aonde iriam tomar seu banho e matar sua sede? Reuniram-se, discutiram entre si, buscaram soluções, e nada... Quem ousaria enfrentar aqueles dentes poderosos e aquela força descomunal das suas patas? Ninguém! Não restou outra alternativa aos medrosos animais senão rezar, pedir a Deus uma solução, um acordo, um milagre...
Passados alguns dias, e os animais já à beira da morte, de tanta sede e calor, quando uma casa-de-couro gritou:
"- Ouçam, ouçam todos! A onça pintada está caída perto da lagoa; acho que se machucou, e não há ninguém para ajudá-la! O que vocês acham?"
Houve um alarido alegre por todo o sítio, e, um a um, os animais foram ver de perto a novidade. Aos poucos chegaram o puma, a raposa, o tatu-bola, os pássaros todos... Fizeram um círculo em redor da onça pintada machucada, que mal abria os olhos de tanta dor em duas das suas patas, e começaram a zombar dela, dizendo:
"- Levanta agora, onça pintada, vai beber tua água, vai! Não és poderosa?"
A onça, coitada, nada podia fazer ou dizer, pois, ao saltar em seus ensaios, caiu de mau jeito e se machucou... Enquanto isso os animais correram para a lagoa e se fartaram de beber água e tomar banho. Lá pelas tantas horas de farras, o sagui disse:
"- Coitada da onça pintada! Geme de dor, com duas patas quebradas, e certamente vai morrer ali, sem ter quem a ajude... Não é justo! Lembrem-se que Jesus Cristo disse que a gente deve se ajudar, amar e orar por nossos inimigos... Vamos ajudar a comadre onça, agora! Compadre jumento, ponha o osso das patas dela no lugar, você que é o médico do sítio!"
O jumento fez uma cara feia, mas o sagui fez outra mais feia ainda, e o jumento foi lá, morrendo de medo, perto da onça, e disse:
"- Comadre onça pintada, se eu curar suas patas quebradas, que garantia vosmecê nos dá que não nos comerá? E não aceito exceção, todos os meus amigos devem ser preservados!"
A onça olhou para o jumento com um olhar quase morto, e disse:
"- Se vosmecê me curar eu prometo que a partir de agora não mais comerei qualquer tipo de carne; serei vegetariana, e deixarei que todos frequentem novamente a lagoa."
Houve festa naquela hora no sítio Lagoa das Marrecas, um alarido de alegria ecoou por todo o lugar, a quilômetros de distância se ouvia a felicidade de todos. E assim foi feito: o compadre jumento pegou as patas feridas da onça, puxou-as devagar, puxou-as, até que sentiu-as no lugar; depois chamou a comadre aranha para fazer uma faixa com o material de suas teias, até que as patas ficaram imobilizadas. Depois, o jumento deu ordem a todos:
"- Comadre onça pintada precisa repousar por um mês, até que se cure; a partir de agora vamos ajudá-la no que for preciso para seu conforto... Vamos, tatu-bola, traga comida para ela, água quem traz é a dona formiga..."
Todos seguiram as ordens do jumento, cada um trazendo uma coisa para a nova amiga, mas o tatu-bola se desesperou... Que tipo de comida traria para a onça pintada? Ela só come carne crua! Depois que o tatu-bola fez essa pergunta, um silêncio desesperador se fez perto da onça... Foi então que ela resolveu o problema, dizendo:
"- A partir de agora só como folhagens, vegetais em geral... Nunca mais um pedacinho sequer de carne levarei à minha boca"!
Então todos correram em busca de cenoura, couve-flor, espinafre, feijão, batata-doce, batata inglesa, milho verde, seco, etc...
E assim, a partir daquele instante a onça pintada se rendeu aos novos amigos, vivendo feliz na companhia deles, pois reconheceu que precisava da ajuda de todos, não se isolando em seu egoísmo, e todos repartiam a água e a comida entre todos... E viveram harmoniosos na Lagoa das Marrecas por muitos e muitos anos!
(Texto: Eliza Ribeiro - Taperoá - PB - foto: internet)
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