Longe do belo céu da Pátria minha
Que a mente me acendia,
Em tempo mais feliz, em q’eu cantava
Das palmeiras à sombra os pátrios feitos;
Sem mais ouvir o vago som dos bosques,
Nem o bramido fúnebre das ondas,
Que n’alma me excitavam
Altos, sublimes turbilhões de ideias;
Com que cântico novo
O Dia saudarei da Liberdade?
Ausente do saudoso, pátrio ninho,
Em regiões tão mortas,
Para mim sem encantos, e atrativos,
Gela-se o estro ao peregrino vate,
Tu também, que nos trópicos te ostentas
Fulgurante de luz, e rei dos astros,
Tu, oh! Sol, neste céu teu brilho perdes.
Oh! Fantasia, mostra-me se podes,
O enérgico quadro, que meus olhos
Outrora extasiara;
Reaviva o fulgor do entusiasmo,
Que o coração abrasa
Como o Sol quando a pino os homens fere;
Memória, hoje recorda aquelas vozes
Dos brasilienses peitos escapadas,
Como do Chimborazo ardentes lavas,
E no templo de Deus gratas soavam.
Recita aqueles hinos,
Que angélicas donzelas, varões probos,
Alternos entoavam neste dia,
Da Liberdade em honra.
Mas em vão, que nos ares embruscados
O mimoso colibri não adeja,
Nem longe do seu ninho o canto exala
O sabiá canoro.
Ah! Se ao menos a dor que minh’alma punge,
E a existência me azeda,
Um pouco se aplacasse, e doce riso,
Filho do coração, subisse aos lábios,
Quiçá na ausência da querida Pátria
Pudesse, inda que rouco,
Mais um hino ajuntar aos outros hinos,
Com que de meu amor lhe fiz oferenda,
Quando no grêmio seu prazer gozava.
Lá, no teu seio, a vida respirando
Tranquilo e sossegado,
Ou no mar agitado, à morte exposto,
Ou aqui nesta plaga tão remota,
Fiel te sou, oh! Pátria; não te olvido
Pelas grandezas que me oferece a Europa.
Estes eternos monumentos d’arte,
Estas colunas, maravilhas mortas,
Estas estátuas colossais de bronze,
Estes jardins soberbos, estes templos
São belos: mas não são de minha Pátria.
Tuas virgens florestas, e teus templos
Mais me aprazem que tudo o que aqui vejo.
Ah! Quem me dera agora, em grato sonho
Iludido, cuidar que me revolvo
Ignorado entre os meus, entre o tumulto
Do povo que no rosto traz impressa
A glória deste dia!
Quem me dera que os meus rústicos hinos
Por ele ouvidos fossem,
E por ele aplaudidos
No delírio do sacro amor da Pátria!
Oh! Como é doce memorar os tempos
Da passada alegria!
Como é doce escutar ternas cadências
De branda voz de pudibunda virgem,
Quando fora da terra a alma vagueia
No celeste infinito!
Mais doce é celebrar os claros feitos
Dos seus concidadãos, e unido a eles,
Beber na mesma taça o entusiasmo,
E no divino arroubo
Os céus congratular, render-lhes graças!
Aqui da Liberdade repetido
Não soa o mago acento em meus ouvidos;
Nem o auriverde pavilhão tremula,
Imagem das riquezas
Da terra minha, fértil, abundante;
Nem o canhão ribomba, que assinale
Que este Dia ao Brasil é consagrado.
Só o estridor ressoa
De turbulento povo, indiferente
Da pátria minha à glória.
Dia da Liberdade!
Tu só dissipas hoje esta tristeza
Que a vida me angustia.
Tu só me acordas hoje do letargo
Em que esta alma se abisma,
De resistir cansada a tantas dores.
Ah! Talvez que de ti poucos se lembrem
Neste estranho país, onde tu passas
Sem culto, sem fulgor, como em deserto
Caminha o viajor silencioso.
Mas rápidos os dias se dissolvem;
E tu, oh! Sol, que pálido me aclaras
Nestas longínquas plagas,
Brilhante ainda raiarás na Pátria,
E ouvirás meus hinos
Em honra deste dia, não magoados
Co’os fúnebres acentos da saudade.
(Poesia: Gonçalves de Magalhães - Foto: Eliza Ribeiro - Taperoá - PB)