Há muita gente apagada pelo tempo
Nos papéis desta lembrança que tão pouco me ficou
Igrejas brancas, luas claras nas varandas
Jardins de sonho e cirandas, foguetes claros no ar.
Que mistério tem Clarice
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme, no coração
Clarice era morena como as manhãs são morenas.
Era pequena no jeito de não ser quase ninguém
Andou conosco caminhos de frutas e passarinhos
Mas jamais quis se despir entre os meninos e os peixes
Entre os meninos e os peixes, entre os meninos e os peixes do rio, do rio.
Que mistério tem Clarice
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme, no coração
Tinha receio do frio, medo de assombração.
Um corpo que não mostrava feito de adivinhações
Os botões sempre fechados, Clarice tinha o recato de convento e procissão
Eu pergunto o mistério, que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme, no coração.
Soldado fez continência, o coronel reverência
O padre fez penitência, três novenas e uma trezena
Mas Clarice era a inocência, nunca mostrou-se a ninguém
Fez-se modelo das lendas, fez-se modelo das lendas.
Das lendas que nos contaram as avós
Que mistério tem Clarice
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme, no coração.
Tem que um dia amanhecia e Clarice
Assistiu minha partida, chorando pediu lembranças
E vendo o barco se afastar de Amaralina
Desesperadamente linda, soluçando e lentamente.
E lentamente despiu o corpo moreno
E entre todos os presentes
Até que seu amor sumisse
Permaneceu no adeus chorando e nua.
Para que a tivesse toda
Todo o tempo que existisse
Que mistério tem Clarice
Que mistério tem Clarice
Pra guardar-se assim tão firme, no coração.
Canta: Clara Nunes – autores: Capinan/Caetano Veloso
Disco: Clara Clarice Clara – 1972
Odeon – MOFB 3709
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